sexta-feira, 17 de junho de 2016





















Sinto como se você fosse a visita mais ilustre 
Que eu poderia receber na bagunça que há em mim

domingo, 12 de junho de 2016

o dia em que tudo desapareceu


Imagem de grunge, boy, and alternative


No momento em que o par de All Stars vermelhos se desprendeu da plataforma, a mãe dele colocava a água pra ferver.

O pai dele gritava e reclamava da demora do jantar, a testa se convertendo em um vinco, expressão que parecia nunca sair de seu rosto.

O irmão dele, o qual fora o único bem sucedido na tarefa de ser o "homem da família", jogava futebol na quadra da esquina, apesar do frio, tentando prolongar ao máximo a partida para não ter que voltar pra casa.

O moço da lojinha de doces do terminal de ônibus achou um pouco estranho o fato daquele jovem simpático que todos os dias, religiosamente, passava pra comprar uma barra de torrone, ainda não ter aparecido.

O colega de faculdade, que era todo escárnio cada vez que ele passava, se preparava para a prova do dia seguinte.

Do outro lado da cidade, Lucas sentiu o celular vibrar no bolso, e por um segundo se perguntou onde estaria aquele garoto de cabelo preto e olheiras quase da mesma cor. Ele lhe provocava sentimentos com os quais não sabia lidar. Por um momento sentiu-se culpado por nunca retornar suas mensagens. Só por um momento. Não o suficiente para garota deitada ao seu lado perceber que havia alguma coisa estranha. 

A noite passou sem ele. Assim como todas as outras noites passariam. E todos os dias. 


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Imagem de amazing, awesome, and fashion

Você é bom pra todo mundo. Quando será bom o suficiente pra você? 

Você entende que às vezes é preciso deixar as coisas irem. Quando você vai se libertar? 

Você vê algo incrível em qualquer pessoa. Quando você vai admirar a si mesmo? 

Você corre o universo em busca de paz. Mas você tem um universo em chamas dentro de você.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

tudo é azul

eu me justifico demais
sou prudente demais
e não sei se sou capaz
de deixar tudo acontecer

você tem olhos de galáxia 
e eu sou um dente de leão 
a cada novo sopro teu 
eu me desfaço na tua mão

mas tudo que eu quero é abraçar teu sorriso
e ouvir teus segredos
tirar uma foto da sua alma
e colocar embaixo do meu travesseiro

e conhecer suas entrelinhas
e ouvi-lo falar demais
porque tudo que vem de você
me faz querer mais e mais

domingo, 20 de dezembro de 2015

segunda


"Obrigado, seu Juca!"


Marcos abriu a mão enquanto o senhor simpático detrás do balcão depositava algumas moedas em sua palma. Com o café na outra mão, ele se dirigiu à mesa de sempre-- a do canto mais isolado -- da padaria de sempre, a Doces Sonhos. Após limpar as lentes redondas dos óculos com a manga da camisa, ele tirou da bolsa estilo carteiro (com a qual Luisa, sua namorada, implicava, mas poxa, era tão prática) o jornal do dia e passou os olhos pelas manchetes, ainda sonolento demais para realmente ler alguma coisa.


Assassinato. Desastres naturais. Mais assassinato. Violência. Acidentes. Mais assassinatos.


Ele passou a mão pelos cabelos pretos. Lembrava-se bem de quando era adolescente. Tinha um propósito. Queria fazer a diferença, viajar o mundo. Queria inspirar as pessoas. Contar histórias.


Ele definitivamente não era mais a pessoa que costumava ser. Tudo aquilo parecia tão tolo e ingênuo para ele agora. Seu maior objetivo no momento era pagar todas as contas e alimentar o gato. A falta de liberdade no emprego (um jornal de posições políticas duvidosas), a necessidade e o mundo levaram embora sua inspiração, e trouxeram no lugar olheiras e um niilismo permanente. As coisas pareciam cada vez mais efêmeras e sem sentido para ele.


Ele era só mais um tijolo no muro.


Pelo menos, ainda tinha café todas as manhãs.


A 32 km, do outro lado da cidade-- mais especificamente no quinto andar de um prédio estreito e cinzento, igual a tantos outros que se esparramavam pela cidade --Clara também tomava café, ainda na cama. As dezenas de bolinhas de papel empilhadas no lixo evidenciavam o que ela já sabia (e o cansaço provavelmente não a deixaria esquecer o dia todo): tinha sido mais uma noite daquelas.


Ela sempre fora uma pessoa noturna, tal qual sua inspiração, que parecia ter vontade própria. Na noite anterior, eram duas da manhã e ela finalmente estava prestes a cair no sono, quando sua mente lhe acordara com a ideia para um conto. Em outra ocasião, ela provavelmente viraria de lado e dormiria. Mas ela sabia que não poderia se dar a este luxo depois de dois meses presa em um bloqueio criativo. Então, meio contrariada, levantara da cama e sentara-se na escrivaninha bagunçada para atender ao chamado do lado direito do cérebro.


Tudo que ela conseguira escrever fora sobre alguém que conhecera havia algumas semanas, em uma noite em que ela não esperava nada além da hora de ir embora.


Aline e Marcela sabiam o quanto ela detestava aniversários. Mas isso não as impedira de arrastá-la para a festa de um semi-conhecido, em uma casa desconhecida, enorme e assustadoramente cheia. Logo ao chegar, depois de cumprimentarem o aniversariante, suas amigas encontraram outros amigos e se esqueceram de apresentá-la, deixando-a desconcertada em algum ponto entre a sala e a cozinha. Ela então, resolvera pegar uma cerveja e sentar-se em um canto da sala, próximo à janela.


Com os olhos vidrados no tosco jogo de Tetris do celular, ela quase deixara de perceber que ele se aproximara. Quase. Um perfume leve e meio adocicado chamara sua atenção, e no momento em que olhara para o lado, encontrou-o. Ele sorria para ela, fitando-a com suas duas esferas muito escuras por trás de um óculos de lentes engraçadas. Ela oferecera-lhe um gole de sua bebida, e ele aceitara, meio tímido.  


Não demorou muito para que eles estivessem sentados no parapeito da janela, alheios a qualquer som que não fosse o das vozes um do outro. Falaram sobre astrologia, literatura, televisão, cinema, política, animais de estimação, comida e sobre a chuva fina que caía lá fora. Ele tinha uma risada estranha, um senso de humor peculiar e uma visão tão idealista do mundo. Era o tipo de pessoa que cativava mesmo sem querer. Clara poderia ouvi-lo falar por horas.


Ao chegar em casa naquela noite, Clara se jogara na cama e passara um bom tempo encarando o teto.  Sentia-se empolgada e relaxada ao mesmo tempo. Não conseguia parar de pensar naqueles cabelos pretos e óculos redondos.


E desde então, Clara tem escrito sobre aquele adorável estranho. Não sabia quando, ou se, o veria de novo.  Tudo que ela tinha era um nome, mas ela precisava ter mais um pouco dele. E aquelas páginas escrita em caneta preta eram a única forma de trazê-lo de volta.

Por algumas horas, ele havia balançado sua vida de forma que muitas pessoas nunca fizeram durante anos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

entre tudo




deve ter algum motivo por que 
entre tantas pessoas possíveis
estamos sob o mesmo teto, eu e você

na mesma sala 
no mesmo apartamento, 
no mesmo prédio, 
na mesma rua
na mesma cidade, 
no mesmo estado, 
no mesmo país 
no mesmo planeta 
no mesmo momento

entre tantos planetas possíveis
e dias e horas e séculos
e prédios 
e calçadas 
e continentes, 
e planetas, 
e conjuntos de planeta 
e galáxias, 
e universos pararelos

ou talvez, seja só coincidência mesmo 
talvez não exista motivo algum
de qualquer forma, já que estamos aqui 
que tal um vinho? 

(também tem chá se você preferir) 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

mobília


Era uma vez uma menina chamada Marília.
Ela era tão invisível, que quase fazia parte da mobília.

Ilustração: Yasmin Moraes, da página Com amor, yasmin